por que eu danço?

Durante muito tempo eu achei que meu trabalho em dança se dedicava ao espaço. E ouvindo o espaço em suas tonalidades mais amplas, eu fui diferenciando no corpo ideias como arquitetura, topologia, deslocamento, trajetória, posição, lugar, ambiente, fora, dentro e atravessamentos.

Durante dez anos, eu criei dez peças site-specific estudando o corpo no espaço e suas relações. Nesse período ainda não tinha me atentado que é no entre o corpo e o espaço – espectro em que as relações podem emergir -, que meu fazer tem se tonificado. Entretanto, uma pergunta já acompanhava meu interesse artístico há tempos: como amplificar a escuta dessa conexão fora-dentro e reposicionar dicotomias?

Fui estudar o corpo afim de olhar para dentro – meditando, fazendo yoga e me aprofundando em práticas que conectam corpo e mente. A dança se recolheu e o território das sensações se ampliou por um período. E de repente a dança e a sensação voltaram a se relacionar por meio do meu corpo. E só então foi possível falar sobre essa dança e esse corpo – o corpo e suas memórias, o corpo e os mapas dos lugares por onde passou, o corpo que narra através do gesto e o gesto que se localiza no espaço. Criando um ambiente de possibilidades e permeabilidade para a escuta de outros corpos, aproximações, memórias, trânsitos e outros afetos. A matéria de criação ganhou permissão para aventurar-se em devires e outramentos.

O meu maior interesse se dá pelo trânsito entre saber coreográfico, e a dimensão tácita desse saber no contexto cotidiano e popular. O meu corpo vibra no encontro com o corpo comum dançando em qualquer lugar, em qualquer circunstância. O corpo que se atreve a dançar interrompendo normalidades e normatividades, escancarando a vida que pulsa.